quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A pior de todas as coisas

De todas as coisas que acontecem o tempo todo, a pior de todas quase não existe. Nada abala os alicerces para que o desgosto se solidifique em todos os segundos da existência. Dramas e tragédias vividos, inspirados e expirados, sabidos ou desconfiados, de tudo que perfura a carne e corta o espírito, nada, absolutamente nada é a pior de todas as coisas.
Meu cachorro está morrendo, isto é um fato. Ele tem 16 anos. Não enxerga, pouco sente dos cheiros que habitam a casa. Ele não escuta, mesmo que gritem seu nome. Todo seu corpinho, muito magro, está calcificado em artroses e artrites. Seus passos são sacríficios; há dor e lágrimas na carinha grisalha. Muitas vezes ao fazer cocô, suas pernas não sustentam a posição requerida e ele cai por cima da caca. Ele tem alergias por toda pele. Nós, os jovens da casa, trabalhamos, e ele se sente só.
Essa é a pior de todas as coisas?
Para o cachorro, para nós que somos sua família. Para viver e morrer temos que pensar a vida. Eu gostaria muito de saber o que o Pingo prefere. Se ele me pedisse: Querida amiga, compartilhamos tantos bons momentos juntos, vc poderia, por favor, me ajudar a ir embora? Eu ajudaria. Eu daria comprimidos para ele partir leve. Eu escrevo e choro, porque a morte nunca é uma felicidade. Ninguém quer que alguém querido parta, porque quem parte é quem fica, fica ao meio, meio que um pedaço de si que outrora circundava as mesas e camas, e agora não está mais.
Todos vivemos a morte cotidianamente. Pessoas morreram em meus braços, nas minhas vistas. Nunca mais abraço, nunca mais carinho. Mas na mémória elas vivem, fazem visitas em sonhos, aparecem em fotos, escorrem em lágrimas de natal.
Mas a pior de todas as coisas são aquelas pessoas que morrem no peito, para sempre, por toda vida.

2 comentários:

  1. A morte não é boa. A vida é. Mas as pessoas conseguem estragá-la a ponto de que a morte seja melhor.

    Parabéns pelo Blog, adorei!

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  2. E mais uma vez a dor nos faz dizer coisas de um modo tão belo que, talvez de outra forma, não existiria. Por isso eu a valorizo, apesar de tudo...

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